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Feliz é Quem Chora


Texto por: Arthur Martins | Fotografia: Jonathan Borba




“Homem não chora”. Essa afirmação já tem sido muito combatida por um movimento cultural que tem se espalhado no ocidente trazendo a proposta de ressignificar a masculinidade. O preconceito quanto à sensibilidade masculina tem sido minado, e isso tem sido muito bom, porque dá mais liberdade à alma que foi feita por Deus pra também sentir tristeza e deixá-la transparecer.


“Deus nos fez à sua imagem”, isso também tem sido muito repetido recentemente em círculos cristãos, mas não acho que fizemos ainda todas as reflexões necessárias.

Sabemos que o coração do homem é enganoso, e que o profeta Jeremias (Jr 17:17) contrariou nossa cultura atual que nos incentiva a “seguir nosso próprio coração”. Mas isso não apaga a necessidade que temos de sentir o que está escondido debaixo das camadas da nossa alma. A Bíblia fala dos sentimentos negativos de Deus. Deus se ira diante do pecado de Israel e manda Moisés sair da frente para que ele elimine todo o povo. Moisés intercede e morrem apenas 14 mil pessoas. Jesus busca privacidade para processar a decapitação de seu primo João Batista e uma multidão aparece com fome. Ele chora junto com Maria por seu amigo Lázaro. O Espírito Santo fica enlutado e lamenta quando eu nutro ofensa contra alguém.

Todas essas descrições nos parecem muito erradas. Ira, tristeza, luto, lamento são emoções negativas que tentamos não sentir para podermos manter nosso bem-estar.


Há hoje uma obsessão no homem mediano por wellness, que o impede de cultivar a prática do lamento.

Se os meninos não se sentem mais com medo e chorar, isso não significa que tenhamos aprendido como fazê-lo. Mas a bíblia não só nos ensina que Deus chora, mas ele nos convida frequentemente a essa prática porque “com a tristeza do rosto se melhora o coração” (Ec 7:3).

Quero ser um homem de oração. Os salmos me ajudam a orar sempre que não tenho assunto algum. Eu não sei lamentar, mas um terço dos salmos são de lamento. Acho que ainda reprimo muito as emoções negativas com vergonha de ser fraco. Por ser pastor, talvez eu queira ainda menos que alguém (ou várias pessoas) venha me perguntar se eu estou bem. Mas toda essa minha relutância torna minha vida de oração mecânica e não íntima.

“Lamento é a linguagem do cristão”, disse meu amigo Pr. Kaká Monteiro. Deus criou uma linguagem a qual somente os íntimos dEle tem fluência. É a linguagem do lamento, o derramar da alma.

Quem aprendeu a lamentar, aprendeu a elevar o coração até Deus. É despejando as lágrimas e verbalizando as tristezas que o coração sobe para perto de Deus.

Em trinta minutos você lê o livro de Lamentações e percebe que não se trata de pedidos, mas de chateação verbalizada. Jeremias escreve os motivos pelos quais ele está tomado de desesperança. Tem muito choro. Deus está ali. O profeta está no divã de Deus. O Justo Juiz abre bem os olhos, sentado no trono, e presta atenção na tristeza entregue em palavras.


Nada aproxima mais o pecador do Criador senão a exposição dos sentimentos ocultos de uma maneira sincera que não se importa com a beleza das palavras. Do jeito que vem, vai. Assim é o lamento. Ele acontece em uma confiança de que é em um trono de graça que Aquele que me ouve se assenta. Ele não vai se sentir ofendido e tem maturidade e paciência para lidar com minha confusão interna. Lamentar é decidir não fingir mais que eu legal. Agora vou falar tudo!

O lamento pode ser pela perda de alguém amado. Pode vir pela tristeza de uma traição, pela amargura de uma rejeição, pela decepção consigo mesmo, pela tristeza grande de ter caído em um pecado que machucou muita gente. Jesus ensinou que “felizes o que choram” (Mt 5:3). É preciso aprender a chorar pra ficar feliz.


Quem chora diante de Deus por Ele é consolado, pois o próprio Jesus tem em sua missão a tarefa de consolar aqueles que estão em cinzas lamentando.

Ele vem pra arrancar a tristeza e a dor da perda, fazendo brotar alegria e te envolver com roupas de louvor (Is 61).

O tempo da Quaresma no Calendário Litúrgico inicia com a Quarta-feira de Cinzas. Neste dia, reunimos nossa congregação para aplicar as cinzas em forma de cruz na testa dos crentes, repetindo as seguintes palavras: “Do pó vieste e ao pó tornarás. Arrepende-te e creia no Evangelho.” É assim que, historicamente, a igreja cristã tem iniciado esse período que se assemelha ao tempo que Jesus foi levado para o deserto por 40 dias.


Na Quaresma somos lembrados de que somos pó, frágeis e dependentes de Deus. Entramos em contato com as dores de nossa alma, e as expomos para nosso Pai, que “conhece nossa estrutura e sabe que somos pó.” (Sl 103:14) Lembramos que “como um pai se compadece dos filhos, assim o Senhor se compadece dos que o temem.” (Sl 103:13)

Ouça o convite de Deus para entrar nesse tempo de preparação para a Páscoa e deixar a dor doer na Sua Presença, esperando o Seu Consolo.


Lamente seus pecados, lamente suas dores, traga sua dor, permita sua alma se derramar.


 

Arthur Martins é casado com Marô Vasques. Escreveu para os volumes 01 e 02 da Revista CULTIVAR & GUARDAR. É pastor na República, Igreja Presbiteriana em Curitiba, PR.

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